As apostas remontam a milhares de anos e, embora a forma como apostamos e o objeto das nossas apostas tenha mudado drasticamente, a natureza da incerteza permanece. Naturalmente, os apostadores têm de conhecer o significado de incerteza e de probabilidade, mas será que a probabilidade clássica de um evento ocorrer pode ser reduzida a uma probabilidade quântica? Continue a ler para ter a resposta.
Desde os primórdios da história, as pessoas sentem-se fascinadas pelos jogos de azar. Evidências arqueológicas de locais pré-históricos na Europa, Ásia e na América do Norte revelaram ossos de tornozelos, chamados astrágalo, em forma de cubos, alguns dos quais remontavam a 40 000 anos.
A finalidade destes ossos continua a ser assunto de especulação, mas os desenhos em grutas também encontrados apontam para a possibilidade de serem utilizados como forma de entretenimento e como meio de profecia e adivinhação.
Os antigos Chineses, Gregos e Romanos jogavam jogos de azar, envolvendo dados, bem como apostas no resultado de eventos desportivos. Para os antigos, o jogo era considerado como uma metáfora para a vida.
Se conseguisse prever o que o futuro traria, poderia controlá-lo. E se conseguisse controlá-lo, sem dúvida tornaria a sua vida consideravelmente menos incerta e mais fácil de viver. Os mercados detestam a incerteza; tal como as pessoas, que naturalmente são a origem dos mercados.
O aparecimento da expetativa
Contudo, foi só no séc. XVII que o acaso, a incerteza e a probabilidade foram matematicamente formalizados, quando dois matemáticos franceses, Blaise Pascal e Pierre de Fermat, colaboraram para resolver um litígio relativo a um jogo de dados.
Ao formularem uma teoria geral da probabilidade, deram a conhecer ao mundo o conceito da expetativa matemática ou do valor esperado, ainda em utilização atualmente pelos apostadores para calcularem o lucro que poderão ter.
O que é a sorte na realidade?
Se se diz que algo está sujeito ao acaso, ou seja, que é aleatório, o que é que isso significa realmente? Em termos informais, se fizermos algo da mesma forma de todas as vezes com as mesmas condições iniciais, como por exemplo, lançar um dado, mas obtemos resultados diferentes, diz-se que tal é aleatório.
No entanto, no caso de algo como dados, seria praticamente impossível replicar as condições iniciais exatamente de cada vez. São ligeiras diferenças na forma como seguramos e lançamos os dados que dão origem à variação nos resultados. De acordo com este modelo, a aleatoriedade é simplesmente uma manifestação da sensibilidade às condições iniciais. Como Blaise Pascal salientou em tempos numa frase notável:
"Se o nariz de Cleópatra tivesse sido mais pequeno, toda a face da Terra teria mudado."
Conhecimento incompleto
Assim, a incerteza no resultado tem de representar não uma propriedade fundamental do sistema, mas simplesmente um conhecimento incompleto sobre ele. Se pudesse conhecer exatamente todas as forças aplicadas sobre o lançar dos dados e as direções em que essas forças foram aplicadas, poderia prever com certeza absoluta o número que iria sair.
Essa é a questão do determinismo: tudo é inerentemente previsível tendo recebido informação suficiente e, para cada conjunto específico de condições iniciais, há apenas um resultado. O facto de isso não acontecer com muitas coisas prende-se simplesmente com uma falta de dados. Em 1814, outro matemático francês articulou o seguinte exercício intelectual, que ficou conhecido como o Demónio de Laplace:
"Podemos considerar o estado atual do universo como o efeito do seu passado e a causa do seu futuro. Se um intelecto [o Demónio] que, em determinado momento, conheceria todas as forças que põem a natureza em movimento e todas as posições de todas as coisas que compõem a natureza fosse também suficientemente vasto para enviar estes dados para análise, abraçaria numa única fórmula os movimentos dos maiores organismos do universo e os do átomo mais ínfimo; para tal intelecto nada seria incerto e o futuro, tal como o passado, estaria presente perante os seus olhos."
Supostamente, o Demónio de Laplace "limparia" todas as casas de apostas, embora a maioria delas (ao contrário da Pinnacle) lhe fechariam a conta. Infelizmente, nenhum de nós consegue ser assim tão inteligente; haverá sempre erros na avaliação que fazemos das condições iniciais. Portanto, haverá sempre algum nível de incerteza no resultado; é a esta incerteza que damos o nome de aleatoriedade.
O Princípio da Incerteza
Por volta do virar do séc. XX, a filosofia do determinismo começou a revelar-se com a compreensão de que o mundo das coisas muito pequenas – os átomos e as partículas subatómicas que os compõem – não se comportam da mesma forma que os objetos do quotidiano.
A mecânica quântica – a física das coisas muito pequenas – começou por revelar que as "coisas da natureza" de Laplace não pressupunham, na verdade, entidades fixas, mas pareciam comportar-se mais como ondas, cuja posição no tempo e no espaço só poderiam ser descritas através de uma função (onda) de probabilidade. Como podemos prever então se alguma coisa vai ocorrer no futuro quando nem sequer sabemos onde ela está neste preciso momento?
Em 1927, o físico alemão Werner Heisenberg publicou o agora célebre Princípio da Incerteza. Dito de forma simples, não se consegue saber com precisão a dinâmica e a posição de uma partícula, e quanto mais se sabe sobre uma, menos se saberá sobre a outra.
Crucialmente, esta "incerteza" não surgiu devido a qualquer restrição imposta sobre as limitações físicas da observação prática e da falta de informação, como Laplace poderá ter postulado. Pelo contrário, era uma impossibilidade matemática imposta pela exata natureza da própria matéria.
Albert Einstein ficou incomodado com tal proposição, dizendo: "Estou... convencido de que Ele não lança dados." No entanto, a convicção de Einstein estava errada. A mecânica quântica é indiscutivelmente o marco científico de referência da humanidade, com previsões que foram feitas e validadas em inúmeras ocasiões, independentemente de quão estranhas e alucinantes parecem ser.
Acontece que até o Demónio de Laplace é limitado pelo Princípio da Incerteza e não pode conhecer em simultâneo a posição e a velocidade de uma partícula. Como Stephen Hawking disse: "todas as evidências apontam para o facto de Ele ser um jogador inveterado, que lança os dados em todas as ocasiões possíveis." Além disso, Ele nem sequer sabe quais serão os resultados.
Compreender a probabilidade quântica
Partiu-se geralmente do princípio de que não precisamos de nos preocupar com o Princípio da Incerteza no que diz respeito a questões de probabilidade clássica que são relevantes para o mundo das apostas, porque o tipo de coisas em que apostamos – futebol, jogos de cartas, roleta – ocorrem em escalas muitas ordens de magnitude acima das do mundo subatómico. O aspeto físico da realidade é demasiado grande para ser influenciado de forma percetível pela mecânica quântica.
Embora o Princípio da Incerteza exija uma interpretação completamente diferente de causa e efeito no mundo quântico, poder-se-á pensar que a causalidade no mundo e a questão do determinismo são emergentes. A causalidade exibe propriedades que as entidades subatómicas, a partir das quais o Princípio da Incerteza e os fenómenos da causalidade são construídos, não exibem. Como diz o ditado, o todo é maior do que a soma das partes.
"Não é bem assim", diz Andreas Albrecht, um físico teórico e um dos fundadores da teoria da inflação cósmica. Ao investigar a influência da incerteza quântica no comportamento de moléculas de água em colisão e na sua influência subsequente no movimento Browniano aleatório dos neurotransmissores no sistema nervoso, Albrecht defendeu que a incerteza no resultado de algo como atirar uma moeda ao ar (que estará dependente da atividade que decorre nos neurónios da pessoa que atira a moeda) pode ser explicada inteiramente pela amplificação das flutuações quânticas originais que afetam as moléculas de água.
Segundo Albrecht, isto significa que a incerteza quântica aleatoriza completamente o atirar uma moeda ao ar, e que a probabilidade clássica para o resultado de um atirar a moeda ao ar pode ser reduzida ao um quântico.
Ignorância quântica
Uma vez que a incerteza de tal sistema aumenta de forma não linear com cada colisão browniana subsequente, assim que a incerteza se torna suficientemente grande, as suas origens quânticas tornam-se a influência dominante no resultado, e não a mecânica clássica.
Para um jogo de snooker, por exemplo, Albrecht calculou que seriam precisas apenas 8 colisões entre bolas para a incerteza quântica dominar. De facto, parece que qualquer sistema aleatório impulsionado por um processamento neuronal, incluindo lançar dados, acertar numa bola de snooker, chutar uma bola de futebol ou jogar uma mão de póquer, terá uma "ignorância quântica" subjacente.
E se uma moeda ao ar fosse simultaneamente cara e coroa?
De acordo com a estranheza da mecânica quântica, Albrecht explica que qualquer pessoa que atira uma moeda ao ar está envolvida numa espécie de experiência de gato de Schrödinger, em que o estado final da moeda ao ar é, simultaneamente, cara e coroa. É só quando se observa o resultado final que o sistema assume um valor definido de ou cara ou coroa.
Se fôssemos apostar na moeda ao ar (ou num jogo de futebol, numa partida de tênis, no resultado de uma eleição ou em qualquer outra coisa que envolva o comportamento humano), essa aposta estaria simultaneamente ganha e perdida ao mesmo tempo até se observar o resultado.
Não sei o que irá acontecer ou não posso saber o que irá acontecer?
Se a causalidade, o determinismo e a probabilidade clássica são meramente ilusórias, emergem da incerteza quântica e, no entanto, são reduzidas a ela, as implicações podem ser significativas. No fundo, passámos da proposição de Laplace "Não sei o que irá acontecer" para a proposição de Heisenberg "Não posso saber o que irá acontecer".
Poder-se-ia argumentar que, à escala macroscópica para os apostadores, tal não altera verdadeiramente a análise. No entanto, de uma perspetiva filosófica, a ideia de que o resultado final de um jogo que envolve o acaso não pode ser previsto intrinsecamente até ter realmente acontecido é uma imagem muito desconcertante para os seres humanos criados para pensar de forma determinista e bimodal em termos de apenas ou/ou.
A consequência é que poderá não haver de todo uma teoria clássica de probabilidade totalmente verificável em termos físicos, e só uma teoria quântica, na qual uma infinidade de histórias (de apostas) possíveis podem estar a acontecer todas ao mesmo tempo.
Para conhecer mais devaneios filosóficos sobre o papel da incerteza nos mercados de apostas, consulte o livro Squares & Sharps, Suckers & Sharks: The Science, Psychology and Philosophy of Gambling de Joseph Buchdahl (@12Xpert no Twitter).