O que é a hipótese do marcador somático? Será que as emoções afetam as decisões? Será que a fome ajuda a lidar com a incerteza? Jonathan Brycki explora a interseção entre a psicologia e a fisiologia humanas na tomada de decisões.
No fundo, os jogos de azar são uma tarefa de tomada de decisões baseadas em valor, que envolvem situações com resultados incertos. Compreender e calcular o risco é fundamental para determinar se vale a pena fazer a sua aposta face à potencial distribuição de resultados.
Por que motivo será que algumas pessoas são melhores a tomar decisões em situações de incerteza do que outras? Num contexto de apostas, muitas vezes as decisões são extraordinariamente complexas. Portanto, é concedida uma vantagem àqueles que dominam de forma superior a aritmética, o pensamento probabilístico, que têm uma boa memória e, em alguns casos, conhecimento do domínio. De uma forma ou de outra, estes fatores são competências cognitivas que são (ou podem ser) aprendidas. Mas e então os fatores que não se aprendem?
A ilusão do controlo
Embora a ilusão do controlo motive uma crença de que nós, humanos, controlamos quase tudo, esta falácia, por sua vez, resulta no facto de ignorarmos muitas vezes tanto a aleatoriedade inerente como aqueles fatores que acreditamos estarem fora da nossa linha direta de influência.
A investigação realizada sobre vários destes fatores que, normalmente, operam abaixo do nosso nível de consciência, mas que, apesar disso, podem afetar as nossas faculdades de tomada de decisões complexas, revelou alguns resultados interessantes.
Este artigo segue uma via ligeiramente diferente daqueles que escrevi anteriormente, ao explorar a interseção entre a psicologia e a fisiologia humanas e a tomada de decisões. Embora eu não mencione probabilidades nem desportos, acho que alguma da investigação realizada neste campo é interessante e definitivamente aplicável em alguns aspetos nas apostas desportivas.
A hipótese do marcador somático
O córtex pré-frontal no lobo frontal do cérebro está incumbido de tomar decisões complexas, entre outras funções. Num estudo, verificou-se que pessoas com lesões no córtex pré-frontal tinham uma deficiência grave na tomada de decisões, em referência ao seu mau desempenho no Iowa Gambling Task (teste de tarefas do jogador de Iowa). Este défice na tomada de decisões foi observado apesar das funções intelectuais normais.
O Iowa Gambling Task é um jogo simples em que os participantes são avaliados em relação à sua capacidade de tomada de decisões em situações de incerteza. Se quiser experimentar, pode fazê-lo online. Se quiser fazer este teste mais tarde, ignore o parágrafo seguinte.
No Iowa Gambling Task, são apresentados aos participantes quatro baralhos de cartas, voltados para baixo, e os participantes têm a tarefa de selecionar um baralho de cada vez para que seja mostrada a carta de cima. Cada carta recompensa o jogador, concedendo-lhe dinheiro, ou castiga o jogador, deduzindo dinheiro do seu fundo inicial de 2000 USD.
O objetivo é ganhar o máximo possível ou perder o mínimo possível. Mas o jogador desconhece que, em dois dos baralhos, embora as recompensas sejam mais elevadas, na verdade, os castigos superam as recompensas. Contrariamente, nos outros dois baralhos, as recompensas superam os castigos (apesar de as recompensas serem inferiores).
No estudo que mencionei acima, os investigadores concluíram que as pessoas com lesões no córtex pré-frontal eram insensíveis às consequências futuras, fossem positivas ou negativas, e estão, de facto, alheias ao futuro. Pelo contrário, orientam-se principalmente pelas perspetivas imediatas e não exibem uma capacidade de aprender com os erros, quando tomam decisões perante situações de incerteza. Outro estudo concluiu que, mesmo perante situações de incerteza, as pessoas com lesões no córtex pré-frontal terão tendência para fazer raciocínios deficientes.
Escusado será dizer que estas são características indesejadas quando se aposta, independentemente daquilo em que se está a apostar. Foi igualmente feita a sugestão de comparar um défice na tomada de decisões em pessoas com personalidades psicopáticas e em pessoas dependentes de drogas, incluindo cocaína, e de álcool aos resultados de pessoas com lesões no córtex pré-frontal. É evidente, portanto, que o diferente funcionamento e funcionalidade desta área de cada um dos nossos cérebros poderá influenciar de forma significativa os resultados quando jogamos jogos de azar.
O córtex pré-frontal também está associado com a expressão e com a sensação da emoção. Notando a incapacidade correspondente dos doentes com lesões no córtex pré-frontal em expressar emoção, o neurocientista António Damásio, propôs a hipótese do marcador somático.
Os marcadores somáticos são reações físicas do organismo que alertam o cérebro para recordar uma situação passada e o resultado correspondente. Um exemplo de uma dessas reações físicas é um aumento da condutância elétrica da pele humana que ocorre em resposta a determinados estímulos, tais como um jogo de azar.
Ao longo do tempo, os marcadores somáticos, como este, ligaram-se aos resultados de situações históricas e, por sua vez, as decisões futuras são influenciadas através da experiência da emoção recordada, especialmente quando o processo cognitivo fica sobrecarregado.
A hipótese do marcador somático é diferente de simplesmente correr riscos. As pessoas que correm riscos elevados e não têm lesões no lobo frontal motivam de facto uma resposta antecipatória da condutância da pele quando tomam uma decisão incerta, enquanto as pessoas que têm lesões não o fazem. Tal sugere que correr riscos e tomar decisões não estão necessariamente ligadas, como seria de esperar.
Em termos mais gerais, a capacidade de tomar boas decisões em situações de incerteza pode não estar correlacionada com a aversão ao risco. Um jogador melhor pode ser simplesmente superior a superar a resposta emocional quando se vê perante a incerteza da sua decisão, passando pelo contrário para processos cognitivos superiores. A hipótese do marcador somático propõe que os indivíduos façam raciocínios não só ao avaliar a gravidade dos resultados e a respetiva possibilidade de ocorrência, mas também em termos das suas respostas emocionais subconscientes.
O impacto das influências emocionais
Então e o corolário? Será que a tomada de decisões pode ser enviesada pelo estado emocional prevalecente da pessoa? A resposta é afirmativa, mas o que se está a debater é se a emoção prejudica ou auxilia a tomada de decisões. As evidências quanto à possibilidade de as emoções prejudicarem a tomada de decisões inclui o efeito de congruência do estado de espírito no raciocínio, que explica que as pessoas costumam recordar-se de memórias (e, assim, tomar decisões enviesadas com base em tais memórias) que estão associadas ao seu estado de espírito atual.
Contrariamente, alguns autores pensam que os sentimentos auxiliam no processo de tomada de decisões através do envolvimento da atenção plena e da memória de trabalho. Outras investigações mostraram um melhor processamento das decisões para pessoas em estados afetivos tanto positivos como negativos.
Vários outros estudos que analisaram o efeito da emoção na tomada de decisões demonstraram que não é tanto o sentimento que se sente, mas antes a forma como se lida com esse sentimento. Se for possível sentir de forma consciente a emoção e atribuí-la à causa correta, será possível reduzir o potencial de tomada de decisões enviesadas. Um estudo em particular mostrou que os investidores na bolsa que tinham sentimentos mais intensos tomavam melhores decisões.
Será que a fome ajuda com uma aposta?
Um estudo recente forneceu mais evidências de que estados de tensão (como emoção ou fome) podem auxiliar na tomada de decisões complexas com resultados incertos. O estudo analisou o efeito que sentir fome tinha no desempenho das pessoas que realizavam o Iowa Gambling Task. Participantes com fome tiveram um melhor desempenho comparativamente aos seus colegas saciados.
Os investigadores sugeriram que as pessoas nesse estado de tensão (fome) têm mais capacidade de avaliar o equilíbrio entre riscos e recompensas necessário na tomada de uma decisão complexa numa situação de incerteza. De uma forma semelhante aos exemplos acima, os investigadores neste estudo associaram esta conclusão a uma maior dependência da emoção para orientar a tomada de decisões quando se tem fome.
Como poderá começar a ver, os fatores que afetam a nossa tomada de decisões podem ser potencialmente intermináveis. Outra linha de investigação concluiu que os indivíduos com um índice de massa corporal (IMC) superior, uma percentagem superior de gordura corporal e/ou concentrações superiores de leptina e insulina têm um desempenho inferior no Iowa Gambling Task. Quem suporia que a composição corporal podia desempenhar uma função na tomada de decisões complexas?
Tomar boas decisões em situações de incerteza depende de imensos fatores. Sabemos com toda a certeza quais são alguns desses fatores, especialmente aqueles que são cognitivos. Por exemplo, referimo-nos a uma boa memória, ao pensamento probabilístico e à compreensão do risco.
Menos entendidos, no entanto, são os fatores que provavelmente ignoramos, ou aqueles que desconhecíamos por completo que poderiam afetar a tomada de decisões. Estes fatores incluem a função do córtex pré-frontal, o estado emocional, a fome e a composição corporal. Provavelmente, há muitos mais. Seja como for, sempre que tomar uma decisão complexa numa situação de incerteza (por exemplo, num jogo de azar), encontra-se ao sabor de inúmeros processos, frequentemente subconscientes, que afetam a sua capacidade de agir de forma ideal.
Estar consciente de como é provável que os fatores mencionados neste artigo o afetem pode permitir-lhe mais facilmente explicar os potenciais vieses resultantes, revertendo pelo contrário para processos cognitivos superiores que podem ser melhorados com o passar do tempo.
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